Sem nenhuma causa ou explicação plausível, mortos-vivos levantam de suas tumbas e surgem em meio aos vivos, promovendo um verdadeiro caos na cidade.
A interpretação que o filósofo Alain Badiou fez do monumental Histoire(s) du Cinéma (1988) de Jean-Luc Godard é bastante instigante: o cinema seria a arte da relação entre imagens. Em última instância, o cinema testemunharia a forma como o século XX pensou as relações. E qual teria sido, na visão de Godard via Badiou, a principal relação pensada pelo século XX? A relação dos vivos com a morte.
Mortos-vivos em O Zumbi Branco - White Zombie (1932). |
Mortos-vivos em A Noite dos Mortos Vivos - Night of the Living Dead (1968). |
O cinema teria sido o testemunho do século da morte. Não por ter supostamente registrado a morticidade do século, mas por ter pensado a relação com a morte. A tese ancora-se no fato de que o cinema “nasce” no exato momento em que o século XX se torna o século da morte: vale lembrar que o início da Primeira Guerra Mundial coincide com o desenvolvimento e estabelecimento da linguagem cinematográfica. Além disso, o século XX é também palco dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Definitivamente, o século XX foi o século da morte. O cinema entendido, portanto, como a arte que pensou a relação dos vivos com a morte. Como não associar essa tese com o clássico documentário Nós que aqui estamos por vós esperamos (1999)?
Morto-Vivo em A Volta dos Mortos Vivos - The Return of the Living Dead (1985). |
Para Badiou, o morto-vivo é “a mais perfeita criação cinematográfica, o espectro, que surge em meio aos vivos, que faz com que a morte apareça entre os vivos” (BADIOU, 2021, p. 28). A ideia de acúmulo de capital e exploração desenfreada da natureza, elementos centrais do capitalismo contemporâneo, expulsam a morte do horizonte dos vivos.
Em uma passagem da excelente música Modern man, da banda Bad Religion, vemos essa mesma problematização: “I've got this one big problem: will I live forever?” (Eu tenho um grande problema: vou viver para sempre?”). Nessa canção, o homem é colocado na condição de “destruidor do ecossistema”. De fato, o morto-vivo “lembra” os vivos, sobretudo os donos do poder, que eles não vão viver para sempre. Além disso, mortos-vivos são criações cinematográficas que frequentemente apresentam uma forte crítica à clivagem de classe e às desigualdades sociais. O Zumbi Branco (White Zombie, 1932) e A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, 1968) são paradigmas desse tipo de filme, portanto, recomendo-os incondicionalmente.
Referências:
BADIOU, A.; BAEZ, L.; O cinema como acontecimento. In: ALCEU. (Rio de Janeiro, online), V. 21, Nº 44, p.281-292, mai./ago. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.46391/ALCEU.v21.ed44.2021.252.
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