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terça-feira, 13 de setembro de 2022

Devir-Godard

O maior pensador do cinema em todos os tempos chama-se Jean-Luc Godard. Ele fez do cinema um ato de pensar. Quando o cinema se tornou uma linguagem, Godard a fez gaguejar. Quando o cinema adquiriu uma identidade, Godard a arrastou num vetor-louco. Quando o cinema consolidou um tempo-espaço convencional, Godard transformou o tempo em movimentos aberrantes e o espaço em situações paradoxais. Em Godard, o cinema é eterno retorno; ele está sempre nascendo, nunca é dado em uma convenção. Godard fez um cinema pensante sempre em construção, sem qualquer finalidade a não ser o ato de pensar e inventar o novo. Um cinema crítico no sentido em que Friedrich Nietzsche deu à crítica.

O cinema godardiano implode a moral para fazer coincidir o pensamento com a vida. Um cinema que promoveu a transvaloração dos valores universais através de uma única imagem. É a bela fórmula de Godard, que encantou Gilles Deleuze: “não uma imagem justa, justo uma imagem”. Cinema perigoso, divino e maravilhoso. Entre um plano e outro, uma fenda propícia à entrada do caos. Um caos capaz de questionar valores transcendentes, modelos, convenções e tudo aquilo que cristaliza o pensamento. O cinema godardiano rompe com o mundo mediado por um esquema sensório-motor, conforme explicou Deleuze, mas que, na medida em que constata a impossibilidade de pensar o mundo através daquele mecanismo, passa a crer no mundo, crer no impensado do mundo, crer no fora que demole qualquer totalização enquanto saber indiscutível.

O cinema de Godard escapa aos microfascismos e aos fascismos de Estado porque o mito como totalização e saber axiomático é substituído pela fabulação, isto é, pela criação de novos mundos. Godard soube ver e filmar como ninguém a relação necessária entre um dado e um não-dado, entre um atual e um virtual, entre o possível e o impossível, entre o pensado e o impensado. Acima de tudo, Godard soube valorizar o bom cinema sem se preocupar se ele havia sido produzido em Hollywood ou no Terceiro Mundo. Chamou Alfred Hitchcock de mestre. Chamou a atenção para a importância da decupagem clássica. Fez cinema de gênero. Consciente ou inconscientemente, todo bom cineasta passa necessariamente por um Devir-Godard. O Devir-Godard é o pensamento que nasce e se auto-destrói para garantir a perenidade do ato de pensar; é a construção da imagem que quebra a verdade para impedir o totalitarismo. O Devir-Godard é fluxo, vetor-louco, olho-idéia, perspectivismo estranho, o riso do pensamento, gozo da diferença, intensidades livres, numa palavra: uma vida em jogo. Réquiem ao Sr. Jean-Luc Godard.

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